Quando tratar mal o Outro vira hábito (e a Alma paga a fatura)

Publicado em 23 de novembro de 2025 às 15:27

Eu tenho um defeito. Não é ser sincera demais, nem ser teimosa, nem rir nas alturas erradas, isso é feitio, não é defeito. O meu profundo defeito é ver sempre o lado bom das pessoas.

E atenção: não é romantismo, é burrice espiritual temporária, porque basta trabalhares muitos anos no atendimento ao público para a vida te dar uma chapada emocional tão bem dada que até a tua alma fica com marca.

Eu trabalhava em gestão e chefia, sabes aquela posição meio estranha entre “és responsável por tudo” e “não mandas em nada”? É essa.

És obrigada a controlar o caos, mas não tens direito a surtar. És paga para gerir o drama dos outros, mas se tiveres um dia mau, és fraca.

Clientes? Oh, os clientes…

É lindo como o ser humano muda quando tem um carrinho de compras e cinquenta cêntimos de razão na mão.

De repente, nasce ali um monstro da mitologia do ego: exige, grita, reclama, trata-te como se fosses a culpada por ele ter acordado torto, por o pão estar demasiado escuro ou demasiado claro, e por os astros não estarem alinhados com o signo dele.

Muitos, muitos anos a lidar com isto, sem máscara, sem filtro, sem compaixão.

A humanidade nua e crua… e às vezes com bafo.

 

E isso corrói.

Não o corpo.

A alma.

 

Corrói a vontade de sorrir.

Corrói a empatia que antes era tão natural.

Corrói a paciência que tu achavas infinita.

 

Até que um dia percebes o que muita gente ainda não entendeu: o problema não é trabalhar. O problema é trabalhar com pessoas que desaprenderam a ser humanas.

 

E eu sei que vai haver quem diga: “Ai mas é o trabalho, faz parte.”

Faz parte? Desde quando destratar alguém faz parte do recibo verde? Desde quando a falta de educação é cláusula contratual? Desde quando pagar garante o direito de desumanizar?

 

Não, meus amores. Pagar não te torna superior. Pagar não te dá licença para insultar. Pagar não te dá direito a descarregar frustrações nos outros.

Isso não é poder. É feiura na alma.

E queres saber o mais irónico? Eu ainda via o lado bom das pessoas.

Mesmo quando gritavam. Mesmo quando me tratavam como lixo. Mesmo quando me tentavam esmagar o psicológico com arrogância.

Até que o cansaço virou lucidez.

 

Acordei um dia e pensei: “Se continuo a ver o lado bom de toda a gente, quem é que vê o meu?”

 

E foi aí que comecei a escolher.

A escolher ambientes onde a empatia não seja esmola.

A escolher relações onde o respeito não dependa do humor do dia.

A escolher pessoas que sabem falar com seres humanos, não com coisas.

 

Porque, sinceramente, eu não quero nunca mais um emprego onde o pior do mundo é rotina.

 

Eu quero vida.

Eu quero humanidade.

Eu quero presença.

Eu quero o lado bom das pessoas, sim, mas sem precisar sofrer para o encontrar. 

 

Se eu tenho defeito?

Tenho.

Ver o lado bonito de quem só me mostra o feio.

 

Mas já estou a (tentar) corrigir.

Agora escolho onde coloco a minha alma.

E isso...dá mais trabalho do que empurrar paletes, mas cura.

 

O atendimento ao público ensinou-me duas coisas:

 

1. nem todo cliente tem razão,

2. e quem tem alma demais precisa de escolher melhor onde a gasta.

 

Porque empatia não é brinde.

É doação. E o meu stock acabou. 😌

 

 O cliente não tem sempre razão.

Mas tem sempre um ego para resolver.

 

E antes que venham atirar pedras para o balcão, deixemos claro: eu não estou a julgar, estou apenas a constatar o óbvio.

E se disserem que do outro lado, o lado de quem atende, também há arrogância, grosseria e falta de noção… têm razão.

 

Porque ninguém sai ileso depois de passar anos a servir pessoas.

Somos esponjas. Absorvemos tudo: a frustração alheia, a pressa, o mau dia, a falta de educação, o ego inflado, a carência emocional, o trauma não tratado e até aquela mania de se achar superior só porque está a pagar.

 

E na vida, como no atendimento, há uma lei simples: educação e amor geram amor.

Ruindade gera esgotamento.

 

Quando alguém descarrega ódio onde só precisava de falar com respeito, aquilo não fica só no ar: fica no corpo, fica na mente, fica no sistema nervoso de quem está ali a trabalhar por salário, sim, mas também por dignidade.

 

E não devia ser tão difícil entender isto, pois não?

 

Muitos anos no atendimento ao público.

Adoro pessoas. Mas não estas.

Anos a levar com gente que acha que tem licença emocional para descarregar a vida inteira porque está a pagar um pacote de arroz.

 

E aqui vai a verdade que ninguém gosta de admitir: não é o trabalho que desgasta, são as pessoas. A falta de humanidade e respeito mútuo.

 

Eu já lidei com clientes que falavam comigo como se eu fosse uma extensão do carrinho de compras, outros que confundiam “bom dia” com “eu mando e tu obedeces”, e ainda aqueles que acham que simpatia está incluída no preço do bacalhau e não precisa de ser reconhecida e valorizada. 

 

E sim, eu sou psicóloga.

Sim, eu sou reikiana.

Sim, eu escrevo sobre empatia, cura, amor-próprio, comunicação… mas nada disso é anestesia contra falta de educação.

 

A verdade é que um trabalho onde tens de lidar com pessoas todos os dias acaba por te mostrar o lado mais cru da humanidade: o que cada um faz com a frustração.

 

Há quem a transforme em gentileza — e essas almas salvam o dia.

E há quem a transforme em abuso — e essas almas sugam o que ainda era bonito em ti.

 

E é por isso que tanta gente sai do atendimento ao público exausta — não é só burnout de trabalho, é burnout de humanidade. Saturação social. 

 

Mas acho que é isto: às vezes o karma não vem do universo, vem da caixa e dos corredores do supermercado.😏💳✨

 

Bárbara Pereira ✍️

 

 

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