Hoje, depois de um daqueles dias que nos deixam com a cabeça cheia e o coração meio desalinhado, a natureza decidiu orquestrar uma tempestade só para mim. Trovões a rasgar o céu, chuva forte a salpicar nas portas da sala, vento a bater na varanda como quem diz: "vai, mulher, aquece-te por dentro".
E eu aqueci.
Fiz um bolo de mármore. Às 23 h, porque não há Timing para aconchegar a Alma.
Bolo de gente que precisa de colo, mas não admite. Bolo de quem está exausta, mas ainda acredita nas pequenas magias.
Bolo de avó, não de influenciadora fitness.
Abri a receita e quase me benzi: 350g de açúcar. A pessoa que inventou isto estava a tentar adoçar um bairro inteiro.
Reduzi para mais da metade, com medo de arruinar a tradição. Eu queria bolo, não queria penitência nutricional. Queria domingo (hoje é sexta-feira) lento, casa antiga, infância num prato.
O forno trabalhou, o cheiro encheu a casa de alquimia pura. Cheiro de bolo caseiro é memória, é nostalgia, é alma aberta.
Quando provei a primeira fatia, foi poesia.
A segunda, realidade.
O bolo estava demasiado doce.
Mesmo tendo reduzido o açúcar a níveis aceitáveis pelo cardiologista.
E foi aí que percebi: não era o bolo. Era eu.
O meu paladar mudou. Refinou-se.
Desintoxicou-se do excesso, do artificial, do que adormece em vez de alimentar.
Anos sem açúcar no café, na cevada, nas sobremesas…
E de repente, tudo aquilo que antes era “normal” tornou-se demais.
E, honestamente, isto é tão sobre a vida quanto é sobre o bolo.Quando te desabituas do que te faz mal, começas a sentir tudo como realmente é.
Aquilo que chamavas “doce” revela-se exagerado. Aquilo que chamavas “normal” revela-se tóxico. Aquilo que chamavas “rotina” revela-se cansaço.
Às vezes habituamo-nos tanto a um padrão, a uma pessoa, a um “é assim mesmo”, que nem percebemos o quanto aquilo nos adormece o coração.
Aceitamos migalhas porque já nem lembramos o sabor da abundância.
Só quando fazes uma rutura — quando paras, mudas, dizes basta — é que percebes o quanto aquilo era demais:
• Empatia onde não havia retorno.
• Entrega onde não havia reciprocidade.
• Tentativas onde já devia haver despedida.
Não era a vida que exagerava.
Era eu que me tinha habituado a pouco.
E enquanto mastigava aquele bolo doce demais, caiu-me a ficha: não foi o bolo que mudou — fui eu.
O meu palato desabituou-se do açúcar.
Tal como o meu coração se desabituou de certos excessos emocionais que um dia achei normais.
Quando começas a curar, as doses antigas deixam de fazer sentido. O que encaixava, começa a incomodar. O que sabias de cor, começa a soar torto.
E tudo aquilo que te adocicava só para te prender… deixa finalmente de te enganar.
Hoje aprendi isto: quando te desabituas do que não te nutre, ganhas espaço para o que realmente alimenta.
E talvez seja por isso que o bolo estava tão doce.
Porque eu… já não estou.
E uma coisa te digo:
quando uma Mulher Real tem uma cevada quentinha à noite e um bolo de mármore caseiro feito pelas suas mãos sagradas — e ligeiramente distraídas — ela não quer guerra com ninguém.
Nesse momento podia o mundo cair, o vizinho gritar, os planetas desalinharem — ela está zen.
Semi-zen.
Zen até acabar a fatia.
🍰✨ E no fim disto tudo, aprendi outra coisa importante:
A vida é como este bolo — quando deixas de te contentar com o que te adoça só para te distrair, começas finalmente a saborear o que te alimenta de verdade.
Não é sobre o açúcar.
É sobre o excesso.
É sobre aquilo a que te foste habituando porque não conhecias melhor, e agora já conheces.
Hoje foi um bolo.
Amanhã será uma decisão.
Depois de amanhã, talvez uma fronteira emocional que finalmente vais colocar.
Mas hoje, aqui, entre a chuva, a cevada quente e o bolo exageradamente doce, percebi uma coisa simples e brutal: quando mudas por dentro… até o sabor da vida muda.
E às vezes basta uma fatia de bolo de mármore para te lembrar isso.
O universo usa o que for preciso. Até sobremesas. 😏🌧️🍰
Bárbara Pereira ✍️
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