🍰🌧️ O Bolo Mármore e o Paladar da Alma

Publicado em 15 de novembro de 2025 às 00:27

Hoje, depois de um daqueles dias que nos deixam com a cabeça cheia e o coração meio desalinhado, a natureza decidiu orquestrar uma tempestade só para mim. Trovões a rasgar o céu, chuva forte a salpicar nas portas da sala, vento a bater na varanda como quem diz: "vai, mulher, aquece-te por dentro".

E eu aqueci.

Fiz um bolo de mármore. Às 23 h, porque não há Timing para aconchegar a Alma.

Bolo de gente que precisa de colo, mas não admite. Bolo de quem está exausta, mas ainda acredita nas pequenas magias.

Bolo de avó, não de influenciadora fitness.

Abri a receita e quase me benzi: 350g de açúcar. A pessoa que inventou isto estava a tentar adoçar um bairro inteiro.

 

Reduzi para mais da metade, com medo de arruinar a tradição. Eu queria bolo, não queria penitência nutricional. Queria domingo (hoje é sexta-feira) lento, casa antiga, infância num prato.

 

O forno trabalhou, o cheiro encheu a casa de alquimia pura. Cheiro de bolo caseiro é memória, é nostalgia, é alma aberta.

 

Quando provei a primeira fatia, foi poesia.

A segunda, realidade.

O bolo estava demasiado doce.

Mesmo tendo reduzido o açúcar a níveis aceitáveis pelo cardiologista.

 

E foi aí que percebi: não era o bolo. Era eu.

O meu paladar mudou. Refinou-se.

Desintoxicou-se do excesso, do artificial, do que adormece em vez de alimentar.

Anos sem açúcar no café, na cevada, nas sobremesas…

E de repente, tudo aquilo que antes era “normal” tornou-se demais.

 

E, honestamente, isto é tão sobre a vida quanto é sobre o bolo.Quando te desabituas do que te faz mal, começas a sentir tudo como realmente é.

Aquilo que chamavas “doce” revela-se exagerado. Aquilo que chamavas “normal” revela-se tóxico. Aquilo que chamavas “rotina” revela-se cansaço.

 

Às vezes habituamo-nos tanto a um padrão, a uma pessoa, a um “é assim mesmo”, que nem percebemos o quanto aquilo nos adormece o coração.

Aceitamos migalhas porque já nem lembramos o sabor da abundância.

 

Só quando fazes uma rutura — quando paras, mudas, dizes basta — é que percebes o quanto aquilo era demais:

• Empatia onde não havia retorno.

• Entrega onde não havia reciprocidade.

• Tentativas onde já devia haver despedida.

 

Não era a vida que exagerava.

Era eu que me tinha habituado a pouco.

 

E enquanto mastigava aquele bolo doce demais, caiu-me a ficha: não foi o bolo que mudou — fui eu.

O meu palato desabituou-se do açúcar.

Tal como o meu coração se desabituou de certos excessos emocionais que um dia achei normais.

 

Quando começas a curar, as doses antigas deixam de fazer sentido. O que encaixava, começa a incomodar. O que sabias de cor, começa a soar torto.

E tudo aquilo que te adocicava só para te prender… deixa finalmente de te enganar.

 

Hoje aprendi isto: quando te desabituas do que não te nutre, ganhas espaço para o que realmente alimenta.

 

E talvez seja por isso que o bolo estava tão doce.

Porque eu… já não estou.

 

E uma coisa te digo:

quando uma Mulher Real tem uma cevada quentinha à noite e um bolo de mármore caseiro feito pelas suas mãos sagradas — e ligeiramente distraídas — ela não quer guerra com ninguém.

 

Nesse momento podia o mundo cair, o vizinho gritar, os planetas desalinharem — ela está zen.

Semi-zen.

Zen até acabar a fatia.

 

🍰✨ E no fim disto tudo, aprendi outra coisa importante:

A vida é como este bolo — quando deixas de te contentar com o que te adoça só para te distrair, começas finalmente a saborear o que te alimenta de verdade.

 

Não é sobre o açúcar.

É sobre o excesso.

É sobre aquilo a que te foste habituando porque não conhecias melhor, e agora já conheces.

 

Hoje foi um bolo.

Amanhã será uma decisão.

Depois de amanhã, talvez uma fronteira emocional que finalmente vais colocar.

 

Mas hoje, aqui, entre a chuva, a cevada quente e o bolo exageradamente doce, percebi uma coisa simples e brutal: quando mudas por dentro… até o sabor da vida muda.

E às vezes basta uma fatia de bolo de mármore para te lembrar isso.

O universo usa o que for preciso. Até sobremesas. 😏🌧️🍰

 

Bárbara Pereira ✍️

 

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