Há dores que nunca contamos. Não porque queremos escondê-las, mas porque sabemos que, quando as abrirmos, vamos voltar a sentir o peso do que fomos obrigadas a engolir. Há histórias que nunca contamos porque doem mais do que deveriam. Não pelo objeto em si, mas pelo que ele representa.
E esta é uma delas. Esta é uma dessas dores.
Durante anos, eu carreguei comigo dois cadeirões brancos. Para muitos, eram só cadeirões. Para mim, eram o meu primeiro consultório. O lugar onde nasceu o Bem-Me-Quero. Onde eu me sentei pela primeira vez como terapeuta, ainda menina, ainda a aprender o mundo, mas já a segurar a alma dos outros com mais delicadeza do que alguma vez seguraram a minha.
E então, um dia, numa relação que eu acreditava ser amor, vi aqueles mesmos cadeirões encostados aos caixotes do lixo.
Não doados. Não guardados à espera de eu os ir buscar. No lixo.
E foi naquele momento, naquela esquina, naquela imagem que ainda me treme por dentro, que eu levei uma das maiores dores da minha vida.
Doeu mais do que as traições.
Doeu mais do que abandono.
Doeu mais do que qualquer silêncio que eu já tenha engolido.
Doeu mais que o término da relação.
Porque não era sobre cadeirões. Era sobre ser tratada como descartável. Era sobre ver a minha história, a minha coragem, o meu início, ser posta ao lado de um contentor, como se não valesse nada. Era sobre alguém olhar para o meu sagrado e achar que era inútil.
E, naquele dia, eu senti-me inútil também.
💛 Mas esta crónica não é sobre ele. Nem é exatamente sobre mim.
É sobre todas as mulheres que já passaram por isto sem conseguir dizer:
— “Isto magoou-me.”
— “Isto não era amor.”
— “Eu merecia mais.”
É sobre as mulheres que já viram o seu valor ser empurrado para o canto, que já foram diminuídas em pequenos gestos que dizem tudo, que já aceitaram migalhas enquanto davam o corpo inteiro, que já engoliram humilhações mascaradas de descuido, que já se deixaram ficar onde a sua história cabia apenas pela metade.
É sobre ti, mulher que me lês, que um dia foste tratada como resto quando, na verdade, eras casa inteira.
✨ Hoje eu sei uma coisa que, na altura, doeu demais para entender: ninguém deita fora aquilo que é pouco. Deita fora aquilo que é grande demais para segurar.
Os meus cadeirões não foram para o lixo por falta de valor. Foram para o lixo porque simbolizavam tudo aquilo que eu era, e ele não sabia lidar com isso.
E, se estás a ler isto, eu quero que sintas esta verdade com toda a força:
✓ Nada do que é teu se perde.
✓ O que é sagrado nunca se deita fora.
✓ E quem tenta destruir o teu valor está, na verdade, a revelar a própria pequenez.
🌻 Esta crónica é um aviso amoroso:
• Não aceites ficar onde te diminuem.
• Não fiques onde descartam o que te construiu.
• Não normalizes o desrespeito disfarçado de quotidiano.
• Não encolhas a tua luz para caber nos cantos escuros de ninguém.
• Não deixes que tratem o teu sagrado como tralha.
• Não permitas que ninguém defina o valor do que construíste.
O amor nunca te manda para o contentor.
O amor verdadeiro levanta-te. Segura-te.
Vê-te.
E eu só percebi isso quando já caminhava sozinha… mas inteira.
💛 Hoje, quando penso nisso, sinto outra coisa:
Os meus cadeirões não foram rejeitados por serem pouco. Foram rejeitados por serem muito. Demasiado simbólicos, demasiado meus, demasiado grandes para o mundo pequeno onde eu estava a tentar caber.
E hoje, que estou a renascer, percebo o que nunca percebi na altura: não existe gesto de desmerecimento que consiga apagar uma mulher que nasceu para se levantar.
Sinto que não fui eu que perdi. Foi ele que nunca soube ver.
Foi ele que não conseguiu segurar a mulher que eu me tornei. Foi ele que não tinha espaço para a grandeza que viria daí.
Porque tu, mulher… Tu nunca foste o que alguém tentou deitar fora. Tu és tudo o que ele nunca foi capaz de merecer.
Mas esta crónica não é sobre sobrevivência. É sobre consciência.
É sobre aprender a reconhecer padrões tóxicos, a ver aquilo que antes não víamos,
a erguer a cabeça sem culpa, e a saber quando é que um gesto diz tudo aquilo que as palavras nunca disseram.
E se esta tua vida já te mostrou cadeirões ao lado do lixo, eu quero que saibas isto:
Tu não és o que alguém tentou deitar fora.
Tu és tudo o que ele nunca conseguiu segurar.
P.s. podem mandar metade de mim para o lixo. A outra metade vai ao IKEA e volta mais forte.
Bárbara Pereira ✍️
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