👙🗽O Dia em que o Biquíni de Nova Iorque Conheceu o CSI

Publicado em 13 de novembro de 2025 às 23:42

Lembro-me de um episódio que aconteceu algures entre a adolescência tardia e a vida adulta, aquele limbo estranho onde já estudamos Psicologia, mas ainda somos tratadas como miúdas que deviam “ganhar juízo”.

Era verão. Eu era babysitter. E todas as crianças e adultos estavam… claro, na piscina da casa, casa essa onde até os azulejos tinham ar de ser mais ricos do que eu.

A irmã do meio, da menina de quem tomava conta soltou, com a maior naturalidade de quem comenta o tempo:

Este biquíni comprei em Nova Iorque.”

 

E eu, com a minha genialidade espontânea que nunca vem com manual de instruções, respondi: “Que incrível… o mais perto que estive de Nova Iorque foi a assistir o CSI: Nova Iorque.”

 

Silêncio. Constrangedor. Muito constrangedor. Aquele silêncio que só se ouve quando uma piada inteligente passa por cima das cabeças como um avião privado que não é nosso.

 

Não era para entenderem. E não era preciso. A verdade é que, grande parte das vezes, eu faço piadas só para quem tem antena emocional afinada. 

 

E, honestamente, também não espero que o meu humor seja entendido em todos os meios. Até porque, sejamos sinceras: às vezes digo a piada e só a entendo minutos depois… e outras vezes nem eu entendo. O que, convenhamos, torna tudo ainda mais hilariante. O meu humor é assim, espontâneo, meio torto, transmontano q.b., e com aquele atraso emocional que faz com que eu seja a única a rir-me da minha própria piada… Talvez seja por isso que certas pessoas nunca perceberam se eu estava a brincar, a filosofar ou a manifestar um ataque existencial. Spoiler: às vezes estou a fazer tudo ao mesmo tempo. 😏✨

 

E já agora, para acrescentar ao festival de incoerências daquela época, houve um momento glorioso que nunca esqueci.

A irmã — a mesma que ostentava o biquíni de Nova Iorque como quem carrega uma coroa — perguntou-me se eu fazia babysitting “por amor ou por dinheiro”. Eu, na minha inocência sarcástica (e com a frontalidade transmontana que Deus… perdão, que a ironia me deu), respondi com toda a calma do mundo: “pelo dinheiro.”

 

A expressão dela? Um misto de desgosto, choque e teatro shakespeariano. Como se eu tivesse confessado um crime e não… dito a verdade.

E foi aí que eu comecei a perceber a lógica daquela gente: ostentar um biquíni comprado do outro lado do oceano, normalíssimo.

Trabalhar para ganhar dinheiro — gravíssimo.

 

Uma verdadeira aula prática sobre como as pessoas ficam ofendidas com verdades simples, enquanto vivem tranquilamente em mentiras complexas.

 

Eu amava as crianças, claro que sim. Fui ótima no que fazia (como em tudo que faço, aliás).

Mas, adivinha? A renda e a faculdade não se pagava com amor.

E aparentemente, essa revelação foi demasiado forte para quem achava que o mundo era movido a arco-íris e cartões de crédito infinitos. 😏

Mas este episódio, anos depois, voltou-me à memória por um motivo maior: quando é que começámos a confundir valor com preço? Quando é que aquilo que mostramos passou a valer mais do que aquilo que somos?

Não tenho nada contra dinheiro. Nada. Aliás, até gostava de ter mais 🤣.

Dinheiro é liberdade. Dinheiro é escolha. Dinheiro é conforto — e sim, todas nós quereríamos sentir o toque suave de umas notas acabadas de ganhar. Vamos ser honestas sem lirismos.

O que me preocupa não é o dinheiro.

É a necessidade desesperada de ostentar.

É este mundo que se habituou a misturar autoestima com etiquetas, felicidade com viagens, amor-próprio com compras.

 

Não é inveja.

(Para quem já ia comentar: podem sossegar as línguas apressadas.)

É só a constatação de que vivemos numa sociedade onde um biquíni comprado em Nova Iorque vale mais aplausos do que uma pessoa que sabe ser verdadeira.

E sabes o que é mais curioso?

Ninguém exibe o que tem por excesso. Exibe-se sempre por falta.

Quem tem alma não precisa de palco.

Quem tem essência não precisa de marca.

Quem tem verdade… não precisa de Nova Iorque. Basta-lhe o coração — e talvez um CSI ao fim de semana.

 

E eu pergunto:

Quando é que deixámos de mostrar o ser, para mostrar o ter?

Quando é que o brilho do objeto ficou mais importante do que o brilho do olhar?

 

É uma reflexão para gente crescida.

Daquelas que não se fazem à borda da piscina, com um biquíni importado, mas dentro de nós — onde mora aquilo que nenhum dinheiro compra e nenhuma viagem garante: caráter, verdade e alma.

E isso, minha querida, não há loja em Nova Iorque que venda.

Bárbara Pereira ✍️ 

 

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