Esta crónica não vem com sarcasmo, nem com humor, vem com verdade. Daquelas verdades que nascem lá no fundo, onde as palavras demoram a chegar. Talvez esta não seja só minha. Talvez pertença também a outras mulheres que, em silêncio, se reconhecem nesta ausência sem culpa. É uma reflexão sobre o que sentimos, o que não sentimos e o tempo que levamos até compreender que nem todas as escolhas vêm do medo, algumas vêm da lucidez.
Nunca quis ter filhos.
E já ouvi de tudo por causa disso, que é egoísmo, medo, trauma, rebeldia, até falta de amor. Mas a verdade é mais simples e mais funda: não é que eu não tenha vocação para amar, é que cresci a tentar sobreviver num mundo que me doeu.
E, no meio dessa dor, nasceu uma promessa silenciosa, a de não trazer ninguém para o mesmo tipo de frio que eu senti.
Não é falta de coragem.
É excesso de consciência. Porque eu sei o que custa crescer sem colo emocional,
e sei que a maternidade não é um instinto, é uma entrega. E essa entrega, para mim, sempre pareceu exigir um mundo mais justo, um amor mais inteiro, um lar que não tremesse ao primeiro desamparo.
Já me imaginei como mãe.
Há muitos anos, até tinha um nome escolhido para a minha filha, sabia como a chamaria, como seria o seu riso, até como seriam os nossos pequenos rituais antes de dormir. Imaginava-nos a conversar sobre a vida, como quem fala com um espelho cheio de futuro.
Mas percebi que esse amor não precisava de nascer na realidade, ele sempre viveu em mim.
Acho que esse instinto de cuidar, de acolher e de proteger sempre existiu, só não se transformou em maternidade física.
Está dentro do amor que eu sou, e não há nada de errado nisso.
Ser pai e mãe devia ser o ato mais consciente do mundo, porque é pôr uma alma no mundo e depois ensiná-la a acreditar que ele é seguro.
Há sonhos que não precisam acontecer para serem verdadeiros, basta que existam dentro do coração. 💛
Talvez a ferida de não querer ser mãe não tenha nascido do meu coração, mas da criança que um dia fui, e que emocionalmente nunca teve mãe, nem pai.
Essa menina ainda fala. Ainda teme.
E, talvez por isso, escolhi homens que já tinham filhos, como quem procura inconscientemente não abrir de novo a ferida. Era mais fácil assim: eles já não queriam ser pais outra vez, e eu não precisava confrontar o meu “e se?”.
Hoje, olho para isso com ternura.
Percebo que a vida não é feita apenas do que escolhemos, mas também do que não tivemos coragem (ou necessidade) de escolher.
E tudo bem.
Há muitas formas de ser mãe, e a minha foi outra.
Sou mãe das minhas palavras, das minhas curas, das minhas partes que sobreviveram e ainda acreditam no amor.
Sou mãe da mulher que me tornei, porque criar-me a mim mesma foi o maior parto da minha vida.
💭 Nem toda a mulher quer ser mãe, mas todas mereciam ter sido filhas. 🌻
E no fim, talvez a maternidade seja isso mesmo, uma escolha, não uma obrigação biológica nem um capítulo que nos falta.
Há quem tenha filhos e nunca aprenda a cuidar, e há quem nunca os tenha e cuide do mundo inteiro.
No meu caso, continuo a querer acreditar que já tive o suficiente a educar: a mim, os meus traumas e a minha ansiedade — três filhos de temperamento difícil, diga-se.
E sinceramente? Estou a fazer um bom trabalho. 😏💛
Nunca fui mãe, mas aprendi a amar profundamente a menina(🌻) que não teve colo.
Aprendi a respeitar a sua dor, o seu silêncio, as suas lágrimas, o seu riso, e, sobretudo, a confiar na esperança que sempre lhe brilhou no olhar, mesmo quando o mundo não o merecia.
Amo-a com a força que lhe faltou e com a ternura que o tempo não lhe deu.
Gostava de ter sido o colo que ela nunca teve, e talvez ainda vá a tempo.
Esse é o meu maior propósito: aprender a dar, por dentro, aquilo que passei a vida a procurar fora.
E este é um texto para todas as mulheres que sentem o mesmo — que talvez nunca tenham rejeitado o sonho, apenas ouviram mais alto as feridas. Porque às vezes não é falta de vontade, nem ausência de amor.
É o medo antigo a sussurrar mais forte do que o coração.
E está tudo bem.
A vida ensina-nos que conhecer a nossa história e curar as nossas dores é o único modo de não deixar que elas decidam o nosso futuro. Mesmo que esse processo seja silencioso, lento e quase invisível aos olhos do mundo, ele é, ainda assim, uma forma de renascer.
Porque ser mãe não é uma parte que me falta. É uma parte que aprendi a amar por dentro.
♥️🌻
Bárbara Pereira ✍️
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