Eu ouço vozes. Sim, vozes. Pronto, já disse. E antes que alguém ligue para o hospital psiquiátrico mais próximo, respirem. Não é para tanto. Ainda não cheguei à fase de conversar com os eletrodomésticos, embora o frigorífico já me julgue em silêncio cada vez que o abro à meia-noite.
Primeiro, deixem-me contextualizar para quem está prestes a folhear o DSM. Antes que alguém me rotule, eu explico: há vozes boas e há vozes...digamos, criativas.
Há a voz da intuição, a voz do coração, a voz que parece um abraço invisível e diz:
“Vai, confia.”
E depois há… a outra.
A sabotadora.
Aquela que não dorme, não se cala e ainda acha que é útil.
Para quem não sabe, o DSM é o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais — basicamente, o livro que transforma mais de metade da população em potencial paciente. Em bom português: o catálogo que faz qualquer um duvidar se é saudável ou só funcional com estilo.
Mas a voz de que falo não vem de lá.
Não é patologia, é humanidade.
Pois bem, podem pousar o manual (ohhhhh).
Não é esquizofrenia.
É aquela voz que aparece no minuto em que a coragem decide acordar.
A que diz:
“Não vais conseguir.”
“Quem és tu para fazer isso?”
“Isso vai correr mal.”
“Olha que o ridículo dói mais do que o fracasso.”
“Estás a sonhar alto demais.”
“Olha que já não tens idade para isso.”
“Para quê tentar? Vai dar merda.”
A minha voz fala de manhã, quando o espelho ainda está embaciado, e à noite, quando a coragem já foi dormir antes de mim.
Diz coisas (in) úteis como:
“Não devias ter comido isso.”
“Já foste mais produtiva.”
“Essa roupa não te favorece.”
E o clássico dos clássicos:
“Não estás a fazer o suficiente.”
É a voz que acorda comigo e adormece depois de mim, aquela que não paga renda mas vive na minha mente, decorada com dúvidas, culpas e comparações.
É uma espécie de Alexa emocional: responde sem ser chamada e raramente ajuda.
E se estás a pensar “eu não tenho essa voz”, lamento informar — tens, sim.
Só que a tua pode ser mais subtil, fingir ser realismo e usa um outfit cativante.
Só que a tua aprendeu a falar baixinho, ou disfarça-se de prudência ou sensatez.
Mas no fundo é a mesma.
A voz sabotadora.
A guardiã do “não arrisques”.
A protetora do “e se corre mal?”.
A assassina silenciosa de muitos começos bonitos.
Essa voz mora dentro de todas nós. É a voz que te tenta convencer de que o fracasso é garantido, que o sonho é exagerado, e que ser feliz dá muito trabalho.
Essa voz mora dentro de nós, alugada em regime vitalício, e vive de energia negativa e inseguranças acumuladas.
E o mais engraçado?
Mesmo quem jura que não a ouve… ouve.
Só que chama-lhe “bom senso”.
Mas não te enganes: não é bom senso, é medo com voz de adulto responsável.
Hoje, já não quero calar essa voz.
Quero ouvi-la, acenar-lhe com um sorriso e dizer:
“Obrigada pela tua preocupação constante, mas desta vez, o comando fica comigo.”
Porque a sabotadora pensa que protege.
Mas o que ela realmente faz é impedir que vivas.
Eu ouço vozes. E sim, uma delas também disse que era má ideia publicar isto. 🙃
Nem todas as vozes na tua cabeça mentem, mas a sabotadora fala mais alto quando estás prestes a vencer. 💭
Às vezes, penso que a sabotadora devia receber um prémio. Não pela ajuda, mas pela consistência.
Ela está sempre lá — pontual, disponível, e com mais opiniões que um fórum da internet. Se eu digo que quero mudar de vida, ela faz um PowerPoint sobre os riscos. Se penso em acreditar em mim, ela lembra-me de todas as vezes em que falhei… em 2009.
E é isto:
a sabotadora é aquela amiga passivo-agressiva que se preocupa contigo, mas prefere ver-te quieta, para não ter de lidar com o sucesso alheio.
Mas sabes o que é mais irónico? Ela até tem um papel importante. Sem ela, eu não teria aprendido a posicionar-me.
A dizer: “Obrigada pela opinião, mas o meu medo não tem direito de voto.”
No fundo, é uma relação complicada, ela tenta travar-me, e eu já nem fico zangada.
Só penso: “olha, a sabotadora acordou cedo hoje — deve chover bênçãos.”
Às vezes, a vida é só isto: uma negociação diária com a sabotadora interna. Ela quer drama, tu queres paz. Ela grita “não vai dar!”, e tu respondes “pois não, se fores tu a conduzir”.
É uma relação tóxica, mas esta não dá para bloquear. O truque é aprender a viver com ela, fazer-lhe café, ouvi-la com ironia e seguir o teu caminho mesmo quando ela insiste que o GPS está errado.
Porque a maturidade não é o silêncio da dúvida, é o riso que damos quando ela tenta convencer-nos de que já é tarde demais.
A sabotadora é insistente, mas a mulher real é teimosa — e isso, meu amor, é a nossa salvação. 🌻
Bárbara Pereira ✍️
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