Dizem que as mulheres fortes não choram. Mentira. Choram, mas lavam o rosto com a própria coragem.
Durante anos, confundimos força com resistência. Aguentámos demais.
Amámos quem não sabia receber, trabalhámos até esquecer o nome próprio, sorrimos quando queríamos desaparecer.
E depois chamaram-nos de inspiradoras. Mas ninguém perguntou o preço da inspiração.
Hoje, já não quero ser exemplo. Quero ser inteira. Quero ser a mulher que admite o cansaço, que se escolhe mesmo tremendo, que já não quer salvar ninguém.
Só parem.
Parem de amar metades. Parem de ser metade.
Parem de amar pessoas que vos dão migalhas e chamam isso de amor.
Parem de confundir intensidade com presença e drama com profundidade.
Não é amor se precisas de te encolher para caber.
Não é amor se tens de implorar para ser vista.
Não é amor se tens de mendigar reciprocidade.
Amar metades é o vício mais disfarçado desta geração, o medo de reconhecer a vossa própria inteireza. Porque quando uma mulher se reconhece inteira, já não aceita metades de ninguém.
Nem de amor, nem de atenção, nem de respeito.
E é por isso que chamam a mulher lúcida de fria. Porque ela já não aquece lugares onde a chama se apaga sozinha.
Não é exigência.
É elevação.
Quem aprendeu o próprio valor já não aceita descontos emocionais.
Não é frieza, é filtro energético. A mulher que se escolhe não quer muito. Quer recíproco.
Porque a verdadeira revolução feminina não grita, desiste de fingir. E é aí, na lucidez escura, que nasce a luz. Durante muito tempo o mundo quis incutir em nós que ser mulher é aguentar.
Ser sempre delicada, dócil, bem comportada e disponível.
Aguentar o corpo cansado, o chefe que desvaloriza, o homem que promete e não cumpre, o medo de falhar, o peso de ser “eu consigo sempre”.
E nós acreditámos. Encaramos o papel e decidimos desempenha-lo com afinco.
Aprendemos a sorrir mesmo quando doía, a dar colo mesmo sem ter onde pousar a cabeça, a dizer “está tudo bem” enquanto o peito ardia por dentro.
Chamaram-nos guerreiras, mas ninguém nos perguntou o preço das batalhas. Nem sobre as feridas abertas.
A mulher real cansou-se de ser mito. De ser musa, de ser exemplo, de ser luz o tempo todo. Cansou-se de ser o porto seguro de quem nunca se segurou a si próprio.
Hoje ela quer ser só o que é: humana.
Quer ser sombra e ternura, coragem e pausa, quer dizer “não aguento” sem sentir culpa. Porque a verdadeira força não é resistir até quebrar, é saber parar antes de se perder.
Há uma nova geração de mulheres a despertar, e elas já não querem ser admiradas pela resistência, mas respeitadas pelos seus limites.
Elas já não querem ser salvação de ninguém, mas presença inteira na própria vida.
E sim, a lucidez também sangra. Mas é esse sangue que limpa o caminho. A mulher real não foge da dor, ela transforma-a em altar.
“A mulher que se escolhe não perde, liberta-se.”
Porque chega um ponto em que já não há drama suficiente no mundo que justifique continuar a mendigar atenção. Ela não endureceu, só deixou de se dobrar onde nunca coube.
Chamam-lhe fria.
Mas é só calma.
Chamam-lhe arrogante.
Mas é só dignidade.
Chamam-lhe desapegada.
Mas é só cansaço de investir em causas perdidas disfarçadas de amores, empregos e amizades.
A mulher que se escolhe não é de ferro — é de carne e lucidez. Aprendeu que ser boa não é ser burra, e que ser gentil não é permitir que lhe pisem a dignidade.
No fim, não é sobre ser forte o tempo todo. É sobre não permitir que confundam a sua bondade com obrigação. Ou o seu coração enorme com disponibilidade infinita.
Porque há uma diferença entre amar e anular-se. Entre cuidar e carregar. Entre estender a mão e ser a tábua de salvação de quem nunca aprendeu a nadar.
A mulher que se escolhe já não se afoga por ninguém. Aprendeu a respirar sozinha — e a fazer do próprio peito o seu porto seguro.
E se chamam egoísmo, que chamem. Já lhe chamaram piores coisas quando era boa demais.
🌻
Bárbara Pereira — Crónicas da Mulher Real
Lucidez. Cura. Revolução Interior.
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