Lucidez. Cura. Revolução interior.

Publicado em 19 de outubro de 2025 às 22:23

Dizem que as mulheres fortes não choram. Mentira. Choram, mas lavam o rosto com a própria coragem.

Durante anos, confundimos força com resistência. Aguentámos demais.

Amámos quem não sabia receber, trabalhámos até esquecer o nome próprio, sorrimos quando queríamos desaparecer.

E depois chamaram-nos de inspiradoras. Mas ninguém perguntou o preço da inspiração.

Hoje, já não quero ser exemplo. Quero ser inteira. Quero ser a mulher que admite o cansaço, que se escolhe mesmo tremendo, que já não quer salvar ninguém.

 

Só parem.

Parem de amar metades. Parem de ser metade.

Parem de amar pessoas que vos dão migalhas e chamam isso de amor.

Parem de confundir intensidade com presença e drama com profundidade.

 

Não é amor se precisas de te encolher para caber.

Não é amor se tens de implorar para ser vista.

Não é amor se tens de mendigar reciprocidade.

 

Amar metades é o vício mais disfarçado desta geração, o medo de reconhecer a vossa própria inteireza. Porque quando uma mulher se reconhece inteira, já não aceita metades de ninguém.

Nem de amor, nem de atenção, nem de respeito.

E é por isso que chamam a mulher lúcida de fria. Porque ela já não aquece lugares onde a chama se apaga sozinha.

 

Não é exigência.

É elevação.

Quem aprendeu o próprio valor já não aceita descontos emocionais.

Não é frieza, é filtro energético. A mulher que se escolhe não quer muito. Quer recíproco.

 

Porque a verdadeira revolução feminina não grita, desiste de fingir. E é aí, na lucidez escura, que nasce a luz. Durante muito tempo o mundo quis incutir em nós que ser mulher é aguentar.

Ser sempre delicada, dócil, bem comportada e disponível.

Aguentar o corpo cansado, o chefe que desvaloriza, o homem que promete e não cumpre, o medo de falhar, o peso de ser “eu consigo sempre”.

E nós acreditámos. Encaramos o papel e decidimos desempenha-lo com afinco. 

Aprendemos a sorrir mesmo quando doía, a dar colo mesmo sem ter onde pousar a cabeça, a dizer “está tudo bem” enquanto o peito ardia por dentro.

Chamaram-nos guerreiras, mas ninguém nos perguntou o preço das batalhas. Nem sobre as feridas abertas.

A mulher real cansou-se de ser mito. De ser musa, de ser exemplo, de ser luz o tempo todo. Cansou-se de ser o porto seguro de quem nunca se segurou a si próprio.

Hoje ela quer ser só o que é: humana.

Quer ser sombra e ternura, coragem e pausa, quer dizer “não aguento” sem sentir culpa. Porque a verdadeira força não é resistir até quebrar, é saber parar antes de se perder.

Há uma nova geração de mulheres a despertar, e elas já não querem ser admiradas pela resistência, mas respeitadas pelos seus limites.

Elas já não querem ser salvação de ninguém, mas presença inteira na própria vida.

E sim, a lucidez também sangra. Mas é esse sangue que limpa o caminho. A mulher real não foge da dor, ela transforma-a em altar.

 

A mulher que se escolhe não perde, liberta-se.

 

Porque chega um ponto em que já não há drama suficiente no mundo que justifique continuar a mendigar atenção. Ela não endureceu, só deixou de se dobrar onde nunca coube.

Chamam-lhe fria.

Mas é só calma.

Chamam-lhe arrogante.

Mas é só dignidade.

Chamam-lhe desapegada.

Mas é só cansaço de investir em causas perdidas disfarçadas de amores, empregos e amizades.

 

A mulher que se escolhe não é de ferro — é de carne e lucidez. Aprendeu que ser boa não é ser burra, e que ser gentil não é permitir que lhe pisem a dignidade. 

 

No fim, não é sobre ser forte o tempo todo. É sobre não permitir que confundam a sua bondade com obrigação. Ou o seu coração enorme com disponibilidade infinita.

Porque há uma diferença entre amar e anular-se. Entre cuidar e carregar. Entre estender a mão e ser a tábua de salvação de quem nunca aprendeu a nadar.

 

A mulher que se escolhe já não se afoga por ninguém. Aprendeu a respirar sozinha — e a fazer do próprio peito o seu porto seguro.

E se chamam egoísmo, que chamem. Já lhe chamaram piores coisas quando era boa demais.

🌻

Bárbara Pereira — Crónicas da Mulher Real

Lucidez. Cura. Revolução Interior.

 

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