Se amanhã eu não estivesse aqui… Hoje eu não perdia tempo a explicar-me a quem não quer entender. Não respondia à mensagem de quem só me procura quando precisa. Não esperava que o mundo fosse justo — abria a janela, respirava o ar frio e dizia baixinho: estou viva.
Se amanhã eu não estivesse aqui, abria o vinho bom, aquele que guardo “para uma ocasião especial”.
Dava um beijo demorado em quem amo, e dizia obrigada a quem me fez bem, mesmo que tenha sido só por um instante.
Fazia as pazes com o espelho, comia pão quente com manteiga sem culpa, ria até doer a barriga.E ligava a quem tenho saudades, mesmo que o orgulho gritasse para não o fazer.
Escrevia tudo o que o meu coração calou —as dores, as memórias, os perdões adiados (e mesmo aqueles não merecidos).
E terminava com: fiz o melhor que soube, com o coração que tinha.
Porque o amor, a beleza e o tempo nunca estiveram nas urgências — sempre moraram nas presenças.
Se amanhã eu não estivesse aqui, percebia o absurdo de tudo o que deixei para depois:
🌻 Deixei de dizer “amo-te” para não parecer frágil. Deixei de ligar a quem me fazia falta, à espera de coragem. Deixei mensagens por enviar, abraços por dar, viagens por marcar.
Deixei sonhos adiados e desculpas engolidas pelo medo.
🌻 Deixei de usar o perfume preferido, de vestir a roupa que gosto “porque não era ocasião, ou não me ficava bem”.
Deixei de rir alto, de celebrar pequenas vitórias, de descansar sem culpa.
🌻 Deixei-me para o fim da lista, como se a vida fosse eterna e o coração tivesse prazo elástico.
Mas se amanhã eu não estivesse aqui, faria tudo o que deixei pendurado nas prateleiras do medo. Afinal, o tempo nunca faltou —faltou-me foi coragem de o usar.
Tinha feito o café com calma, ido ver o mar mesmo com vento e cabelo desalinhado.
Tinha dito “não” sem culpa, e “sim” ao que me faz sentir viva.
Tinha dito mais vezes “obrigada por existires na minha história”.
Tinha perdoado o que ainda pesa — não por quem me feriu, mas por mim. Tinha falado com Deus, com a minha criança interior e com a mulher que me tornei — todas de mãos dadas. Tinha dito à menina girassol: “Fizemos o que pudemos. E foi lindo.”
Tinha abraçado mais o Chico e a Ariel, sem pensar na imensidão de pelos espalhados. Tinha deixado o telemóvel de lado e olhado alguém nos olhos até o mundo parar.
Tinha comprado flores, mesmo sem razão, e deixado uma delas num banco qualquer, só porque sim.
Tinha escolhido rir-me mais da vida, do caos, do destino e até de mim — porque no fim, era tudo aprendizagem.
Tinha usado batom vermelho só porque sim, dançado sozinha na cozinha.
Tinha deixado de tentar ser “forte” o tempo todo, permitido que alguém me visse chorar sem vergonha, sem explicação.
Tinha deixado a cama por fazer, comido panquecas ao jantar, e agradecido por mais um pôr do sol.
Tinha sonhado mais. E realizado sem medo de cair.
Tinha andado descalça mais vezes, com os pés a sentir a terra molhada.
Tinha passado mais horas ao sol — a ler, a rir, a respirar o que me faz feliz.
Tinha soltado mais cedo, o que me prendeu à dor, só para não carregar mais peso do que amor. Tinha dito o que o coração guardava há demasiado tempo: "obrigada por me teres doído — ensinaste-me a escolher melhor.”
Tinha parado de procurar sinais e lembrado que o maior deles sou eu — viva, aqui, agora.
Porque a vida não nos deve promessas.
E o amanhã é sempre um privilégio — nunca uma garantia.
O tempo não volta — mas tu ainda estás aqui. Nem sempre há amanhã. Mas hoje ainda é milagre.
Tinha dito o que guardei:
que o amor vale sempre a pena,
que a dor ensina,
que a alma sabe sempre o caminho.
Bárbara Pereira ✨
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